Foi no meio da ventania, em uma nublada tarde de primavera, de primavera que não deveria ser tão cinza, mas era. Foi no meio de uma ventania que o avistei. Vinha do Largo da Alfândega em direção à Felipe Schmidt, caminhava passos sem nenhuma característica própria, e vestia-se não mal, nem bem. Não havia nada nele que pudesse chamar a atenção de alguém, e justamente isso chamou a minha atenção.
O sujeito não era alto nem baixo, não era gordo, tampouco magro; não parecia tão velho, nem tão novo, os cabelos eram um pouco compridos, mas também poderiam ser curtos e eram de um tom claro, um tanto escuro. No rosto, trazia marcas, mágoas e alegrias, e essas coisas trazemos todos nós; nos ombros algo de pesado e nos pés algo de leve. Deveria ter alguma dessas profissões que muitos tem e muitos não tem.
Andou até a longa fila de uma lotérica, parou, perguntou algo, as horas ou o dia. Na fila, muitos iguaizinhos à ele, e diferentes a um só tempo; é que ele também, por ser tão igual era tão diferente. Ali ficou, absorto em pensamentos poucos, que pareciam cruzar sua retina, dar a volta por trás da cabeça e depois voltar ao olhar. Apoiou-se em um pé, depois em outro, coçou o nariz, os olhos, franziu e desfranziu a boca em muxoxos, olhou a conta que pagaria, água, luz, telefone ou seja o que quer que paguemos por que temos que pagar.
Como a fila não andasse, desistiu da espera e seguiu seu caminho, agora em direção à Praça XV, sentou-se em um daqueles bancos, testemunhas de tanta coisa, sentei-me no mesmo banco. Ele, então, mirou-me profundamente os olhos, e sumiu; como se houvesse percebido minha presença todo o tempo e calculado cada gesto e cada caminho com a mais decidida das indecisões. E tinha os olhos de todas as cores que existem em todos os olhos que existem.
*resolvi postar algo que já estava por aqui pronto; afinal, fazia tanto tempo que não postava e acho que o Nunca Diga merecia alimento novo para o ano novo.
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