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domingo, 27 de dezembro de 2009

Zé Ninguém, Zé Todo Mundo

Foi no meio da ventania, em uma nublada tarde de primavera, de primavera que não deveria ser tão cinza, mas era. Foi no meio de uma ventania que o avistei. Vinha do Largo da Alfândega em direção à Felipe Schmidt, caminhava passos sem nenhuma característica própria, e vestia-se não mal, nem bem. Não havia nada nele que pudesse chamar a atenção de alguém, e justamente isso chamou a minha atenção.
O sujeito não era alto nem baixo, não era gordo, tampouco magro; não parecia tão velho, nem tão novo, os cabelos eram um pouco compridos, mas também poderiam ser curtos e eram de um tom claro, um tanto escuro. No rosto, trazia marcas, mágoas e alegrias, e essas coisas trazemos todos nós; nos ombros algo de pesado e nos pés algo de leve. Deveria ter alguma dessas profissões que muitos tem e muitos não tem.
Andou até a longa fila de uma lotérica, parou, perguntou algo, as horas ou o dia. Na fila, muitos iguaizinhos à ele, e diferentes a um só tempo; é que ele também, por ser tão igual era tão diferente. Ali ficou, absorto em pensamentos poucos, que pareciam cruzar sua retina, dar a volta por trás da cabeça e depois voltar ao olhar. Apoiou-se em um pé, depois em outro, coçou o nariz, os olhos, franziu e desfranziu a boca em muxoxos, olhou a conta que pagaria, água, luz, telefone ou seja o que quer que paguemos por que temos que pagar.
Como a fila não andasse, desistiu da espera e seguiu seu caminho, agora em direção à Praça XV, sentou-se em um daqueles bancos, testemunhas de tanta coisa, sentei-me no mesmo banco. Ele, então, mirou-me profundamente os olhos, e sumiu; como se houvesse percebido minha presença todo o tempo e calculado cada gesto e cada caminho com a mais decidida das indecisões. E tinha os olhos de todas as cores que existem em todos os olhos que existem.


*resolvi postar algo que já estava por aqui pronto; afinal, fazia tanto tempo que não postava e acho que o Nunca Diga merecia alimento novo para o ano novo.

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